Toda vez, sem falta.

anormalkid
3 min readJun 3, 2023

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Toda vez que eu sinto que consigo pensar em falar alguma coisa, é porque eu ouvi alguma coisa que me lembrou alguma outra coisa.

Cheguei em casa hoje, sabendo que pego a chave do meu apartamento novo amanha de manha, e me deu o clique da foto mental. E me senti orgulhosa (apesar de todo o tempo que eu tava conseguindo essas coisas, eu tava bem ansiosa e parecendo que ia ter um ataque cardíaco a qualquer momento e morar na rua, mas tudo bem).

Me deu também um clique de quando eu era criança e comecei a chorar no chuveiro porque minha mãe me contou que um dia nasceriam pelos no meu corpo e meus peitos iam crescer, e eu não queria que isso acontecesse, mas aconteceu mesmo assim. Me olhei de novo no espelho e pensei que mesmo com peitos e pelos, tá tudo bem.

O ano passado foi o segundo pior ano da minha vida, mas também lembrei que no primeiro pior ano da minha vida eu entrei numa depressão tão profunda que eu tinha certeza que a única forma que eu poderia ir dessa pra melhorar é porque eu ia, você sabe, me m****. Olhei pro espelho de novo e pensei, caralho, tô bem. Que coisa né?

Não vou mentir que ano passado fiquei de cama por umas três semanas sem conseguir comer, e depois de dois meses de novo, perdi quilos que ainda não foram recuperados, pedi demissão, demiti alguém, provavelmente acabei com a vida de alguém, e depois eu tava bem de novo, só assim.

Minha tristeza é muito intensa, mas pelo menos agora é só quando tem um motivo. A depressão é uma doença tão pesada que acredito realmente que só quem já passou por essa experiência sabe exatamente do que eu tô falando. Você vive numa bolha apática num nível que parece que operaram seu cérebro e que uma eutanásia é bem-vinda a qualquer momento, e seria um favor, inclusive. E eu ainda, sim, acho que as pessoas falam muito pouco disso, ou pensam pouco nisso, ou só não passam por isso, e por isso é isso.

Quando cheguei, pedi pra Alexa tocar qualquer música do Department of Eagles, sentei no sofá e fiquei olhando em volta, tentando entender o que eu me tornei. Uma adulta. Responsável, normal, ainda, sim, com problemas mentais, mas que às vezes parecem ser de tanto se sentir normal num mundo de gente completamente doente mental.

Eu não quero mais muitas coisas do que eu queria, inclusive que já tive e vi que não eram nada demais. Eu já não sinto muita coisa que eu sentia, porque vivi e percebi que não era nada demais também. E que se alguma coisa acontecer, eu dou um jeito, porque como eu disse ano passado, depois de x coisa nada de pior podia acontecer. Aconteceu. Ficou tudo bem. Ah porque não sei o que não sei o que lá. Acontece também, e fica tudo bem depois. Eu vou fazer o quê?

Olhei mais perto no espelho enquanto pensava essas coisas, tentei entender porque minha cara parece tanto a de um bicho, porque meus olhos são tao grandes, porque tenho tanta sarda, que que tem dentro de mim? É alma, é? É consciência? Dá pra salvar e por numa IA, que vai aprender minha personalidade e ser engraçadinha com as pessoas quando eu não estiver mais aqui?

Cheguei numa conclusão que sei lá também, o pior que pode acontecer já vai acontecer de qualquer forma. Enquanto isso, eu só quero conseguir me conectar de verdade com todos os sentimentos que eu conseguir, e conhecer o máximo de pessoas que se sentem como eu me sinto, e já tá bom. Vai valer a pena aí. E eu vou olhar no espelho, respirar fundo, e pensar, rapaz mas cê é doida demais hein bichinha? É isso aí, marcha.

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